sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Sobre a dor, o medo e a escuridão


Lembro-me dos meus 9 anos. O mais alto da turma, magro e desengonçado. Chorando ao fundo da sala de aula por não conseguir enxergar o quadro negro. A professora não acreditava, mas eu não conseguia ver nada escrito lá.

Lembro-me também da cena em que meus pais, um ano depois, estavam na varanda de casa testando minhas habilidades com meus novos óculos. Um par de fundos de garrafa em uma armação de plástico, não muito bonita. Lembro-me da minha surpresa ao ver pela primeira vez o mundo em HD. Eu não sabia que poderia enxergar a grama em detalhes. Achava que todos, como eu, só enxergavam uma mancha verde.

Na escola, como não poderia faltar, vieram os rótulos. Quatro-olhos, fundo-de-garrafa e meu-Deus-você-é-praticamente-cego! Sem falar na tradicional "quantos dedos tem aqui?" (¬ ¬)

O tempo foi passando, as lentes dos óculos ficando mais grossas, as lentes de contato mais elaboradas. Por um "golpe do destino", anos depois mudei de plano de saúde e fui parar pela primeira vez, em um consultório do Hospital de Olhos do Paraná. Ali, sentado, no alto de maus 10 graus crescentes de miopia, esperançoso desde criança para realizar uma cirurgia de correção, ouvi do médico: "sua miopia é degenerativa, sua córnea não vai maturar para isso, mas você pode fazer os exames para a cirurgia". O mesmo médico pediu um outro exame. O mapeamento de retina.

Fiz também os exames necessários para a cirurgia de correção, mas descobri que meu grau de miopia era avançado demais para isso. A correção diminuiria demais a espessura das córneas. Meu plano desde criança veio à baixo.

É engraçado perceber que oftalmologistas parecem ser tão calmos e serenos... Imagino como é a rotina deles. Um dos médicos, ao final o mapeamento de retina, com uma voz serena me disse: "Sabe por que o médico pediu esse exame? Sua miopia é muito alta e pessoas como você correm o risco de descolarem a retina e acordarem cegas em um dia qualquer. Mas fique tranquilo, você não está com este risco".

Bem, eu ainda estava fora de risco naquela ocasião. Dois anos depois, ao realizar o exame novamente, tive uma notícia muito diferente.

Sobre o risco e a escuridão


O processo foi o mesmo: colírio ardendo nos olhos, dilatando a pupila. Uma longa espera, meu nome sendo chamado. Tateando para sentar-me na cadeira, o médico acende uma luz incandescente como um sol e aproxima uma lente ao meu olho. Era como um farol penetrando raios intensos de luz nos meus olhos. A sensação insuportável e meu esforço em me segurar na cadeira. Ele estava demorando demais.

Parou sentou-se no computador, digitou bastante, parou e voltou-se para mim. "Você praticou algum esporte de contato?". "Sim - respondi - Eu praticava jiu-jitsu e kung-fu". Veio então a noticia: "Você está com vária perfurações na sua retina. Você precisa realizar um tratamento a laser o quanto antes, pois elas podem descolar. Você não pode sofrer um impacto sequer, ou perderá visão". Foi então que ele até sorriu. "Mas fico feliz que você veio antes. é bom quando descobrimos a tempo de tratar".

A notícia foi assentando em minha mente aos poucos e descendo fria e desoladamente ao meu coração. Eu andava pelas ruas sabendo que a qualquer momento enxergaria uma grande luz branca à minha frente, que se tornaria negra e cobriria a minha visão pelo resto da vida.

Ao andar de ônibus, ao carregar algo pesado, ao tropeçar... assim de forma banal eu poderia mudar todo o resto da minha vida. Não mais ver minha noiva entrando na igreja, não conheceria o rosto do meu filho. A bengala, a longa adaptação, o braile. A perda das paisagens, dos rostos, do emprego e da profissão que amo. Enquanto estive por aí, estive correndo risco.

O dia do tratamento finalmente chegou, mas não foi como o esperado. Alí, em uma tarde nublada, sentado na clínica na companhia do meu pai e da minha noiva, sempre presentes, dilatei a pupila e esperei ser chamado. Quando o procedimento começou, pude ver a luz do laser penetrando as retinas como agulhas atravessando meus olhos. Uma dor que não pude suportar. Infelizmente, tivemos que interromper o tratamento. O médico que operava o laser, rispidamente disse que eu deveria realizar o procedimento com anestesia, com outro especialista.

Sobre o risco e a dor


Não havia outra forma. Eu deveria realizar o procedimento a laser. Tentei remarcar sem anestesia para não enfrentar a agulha nos olhos. Mas para isso, me preparei. Tomei anti-inflamatórios e internalizei a coragem necessária. Dizia para mim mesmo: "a dor é minha amiga! A dor irá me ajudar! A dor passará!". Na vida, passamos por muitas decisões dolorosas (algumas literalmente dolorosas), para superar uma dificuldade maior.

No dia em que retornei para o procedimento, a assistente do médico disse que o mesmo não aceitaria fazê-lo sem anestesia. Aceitei a agulha nos olhos. Trouxeram a seringa do centro cirúrgico. Entrei na sala do doutor. Doutor Carlos Moreira, diretor do Hospital de Olhos do Paraná. O pioneiro da Oftalmologia em Curitiba.

O velho de mãos trêmulas colocou a agulha no canto do olho direito e em seguida minha visão foi ficando escura e a sensibilidade diminuindo. Preocupado, eu dizia cada coisa que acontecia comigo. "Não se ponha a descobrir seus sintomas porque não adianta. Apenas faça o que eu digo", disse o velho para mim. Na tentativa de amenizar a rispidez, havia trazido comigo minha amiga médica, ex-aluna do Doutor Carlos Moreira Filho, mas não adiantou. Tive que seguir com o procedimento calado.

Outro dia e mais um procedimento. Olho esquerdo. Ao deparar-se com a retina esquerda, Doutor Moreira disse que a lesão estava maior. O risco do descolamento estava mais alto e era questão de tempo. Eu estive a ponto de perder a visão.

Mais alguns dias se passaram e retornei ao médico retinólogo que pediu os procedimentos. Ao examinar, disse com toda a tranquilidade do mundo, que eu já estava fora de risco. A cauterização foi bem sucedida! Mais alguns dias e retornei ao consultório para ver se minhas retinas haviam cicatrizado. Feliz, o doutor comprovou a saúde dos meus olhos e me devolveu o alívio de ter minha rotina sem medo. Uma ótima notícia, meus medos indo embora.

Terei que realizar exames a cada 6 meses, mas já não há mais medo nem dor. Graças ao bom Deus, posso andar por aí e apreciar a paisagem sem preocupações. De volta aos esportes, de volta às atividades físicas. Só não posso mais pular de pára-quedas, a pressão já seria demais. Que pena :'(


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