sábado, 10 de agosto de 2013

Série Pais III – O Homem forte

Do alto de seus ombros eu sentia seu ofegar e as passadas fortes. Lá do alto eu pensava “como ele pode me carregar assim? Não se cansa?”.

Passei muitos dos meus dias olhando para aquele homem forte, voltando para casa com caixas nos ombros. Cestas básicas, quilos de alimento, botijões de gás. Passei muitos dos meus dias ouvindo atentamente seus conselhos e suas histórias de superação.

Ele veio de longe ainda jovem para tentar a vida e gerar futuro. Veio com a força que adquiriu nos longos dias no campo, sua força bruta adquirida na sofrida infância. Sua implacável força de vontade e fé o levaram para longe. Desde o casebre modesto até a casa grande que construiu praticamente sozinho no mesmo terreno. Desde suas longas jornadas de bicicleta até os carros que comprava com as economias. Desde um jovem sonhador cansado de sofrer, a pai de família.

Eu o via em seu quarto pensativo, sentindo suas feridas e preocupado com as contas a pagar. Seu lápis impecavelmente corrido sobre um pedaço qualquer de papel não deixava escapar um número sequer. Mas ele era mais forte que a dificuldade. Poderia passar fome para alimentar os filhos.

Sua experiência o deu bagagem ao logos dos anos e conhecimentos diversos. Eu não saberia fazer a metade do que ele é capaz e sinto ter muito menos força. Eu o deveria superar, mas em muito já fiquei para trás. O que quero guardar é essa força e essa fé. Disso eu quero crer que puxei e com a graça de Deus farei ressurgi-la em mim sempre que puder.


A esse homem forte e dedico este texto modesto. Ao meu pai que andou milhas para me lançar aonde estou. Que o Pai soberano o abençoe! Obrigado Pai!

(Dedicado à Silvânio Alves Faria. Espero que ele goste...)

Série Pais II – Esmeralda

Estávamos sentados no meio da rua XV de Novembro em uma noite dessas, até que veio aquele homem com seus arames na mão.

— Boa noite, que casal maravilhoso! Diga meu rei, quer dar um presentinho à ela? Qual é o nome da sua senhora?
— Desculpa moço, eu não tenho dinheiro, estou só com o cartão.
— Ah, mas não tem problema! Pode ir à farmácia comprar uma fralda para o meu neném!
— Pode ser mesmo?
— Claro! O sorriso dos meus filhos é o mais importante pra mim!

Comovidos pela frase de efeito lá fomos adquirir uma fralda para o bebezinho. Na hora em que me deparei com o preço pensei “puxa, que artesanato caro foi esse hein? Fomos ludibriados!”.

Porém, ao voltar para entregar o presente, vimos a moça com o carrinho de bebê com seu menor, e acompanhavam ele ainda, duas crianças pequenas. A mãe agradeceu e apressadamente começou a trocar o menino. Enquanto isso o pai orgulhoso apresentava seus filhos. E sobre uma em especial ele disse:

— Essa é a Esmeralda, minha jóia preciosa. Eu tenho uma história muito forte com ela. Ela nasceu com um problema grave e precisava de doação de sangue. Fiquei mal naqueles dias e me sentei em frente ao hospital, na rua bebendo e não queria comer. Disse às enfermeiras: “tirem todo o meu sangue se for preciso! Só quero que ela viva!”. Até uma das enfermeiras doou sangue à ela. Agora ela está aí...


Voltando para casa, pensei: o artesanato saiu caro, mas não foi por ele que paguei, muito menos pela fralda. Naquela noite, pagamos pela história!

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Série Pais I – Ultrassonografia

Era madrugada e ele veio até nós pedindo ajuda.

Estávamos na rua fazendo o trabalho de sempre, de conversar e ouvir pessoas. Levado uma palavra de Paz. Naquele canto, onde haviam homens sem destino, perdidos e desnorteados em meio à sua miséria, ele veio.
Usava muletas, não tinha mais uma das pernas. Chamou-nos no canto para conversar à parte. Seus olhos verdes estavam inquietos, não nos olhavam no rosto. Seu rosto sujo não conseguia disfarçar a pouca idade. Era claramente mais jovem que eu. Tentava nos falar enquanto olhava inquietamente para os lados como se estivesse aflito, esperando por alguma coisa.

Ele pediu oração por sua filha. E de um canto embaixo daquela marquise ele tirou uma pasta. No meio daquele lugar que não havia nada além de sucata e drogas, ele lançou mão de uma ultrassonografia! Ele estava com as primeiras imagens da filha guardada com ele naquela calçada. Não havia quase nada com ele, na rua, além daquela pasta.

Fiquei espantado e atônito enquanto ele tentava se comunicar, mas suas palavras mal saíam da boca. Subitamente olhou para um canto, chamou por alguém e pediu que lhe guardasse seu “cachimbo”. Empunhou novamente as muletas e saiu apressadamente para seu colega de rua. Saiu interrompendo a conversa como se ela jamais tivesse acontecido. Do nada foi embora e nos deixou plantados e atônitos, como se o momento se desfizesse em nossa frente em questão de segundos.


Momentos depois, meu amigo que estava naquele momento comigo me olha e diz: “Essa é a realidade Thiago. Os outros jovens não estão nem aí pra isso”. Contendo emoção, continuei nosso caminho, andamos noite à fora, mas desde aquele dia algo lateja em minha mente: “Aquele, era um pai!”.